domingo, 21 de março de 2010

Paraná desafia MEC em política de inclusão

Governo do estado se recusa a colocar todos os alunos com deficiência em escola regular. Decisão paranaense é elogiada.

Inclusão responsável e gradativa. Com esse lema, na próxima segunda-feira o governo do Paraná promete encaminhar à Assembleia Legislativa um projeto de lei que torna permanente a política do estado de manutenção das escolas especiais. Na última semana, o governador Roberto Requião (PMDB) já havia anunciado a prorrogação por mais três anos do convênio com as escolas mantenedoras de educação especial. As medidas contrariam a posição defendida pelo Ministério da Educação (MEC) de fechamento das instituições de educação especial e a consequente inclusão de todos os alunos no ensino regular. “A política do MEC está errada”, opina Requião.
Hoje, o Paraná conta com 394 instituições mantenedoras de escolas de educação especial – 384 são entidades filantrópicas e têm convênio de cooperação técnica e financeira com a Secretaria de Estado da Educação (Seed); outras 10 são escolas municipais e têm convênio de cooperação técnica. O Paraná também tem três escolas públicas de educação especial.
Ao todo, o estado tem cerca de 80 mil alunos que precisam de atendimento especial. Desses, 37 mil estão matriculados na rede regular de ensino. Outros 41.529 estudantes estão em escolas de ensino especial. O investimento do governo paranaense com a educação especial chega a R$ 4,5 milhões por ano em folha de pagamento, além de R$ 20 por aluno da rede conveniada de educação especial.
De acordo com Requião, o projeto que está sendo encaminhado ao Legislativo fará com que a manutenção das escolas especiais fique assegurada no futuro. “É uma política de governo que será transformada em política de Estado”, disse. Na cerimônia realizada na última semana, Requião chegou a afirmar, com ironia, que o Paraná é “politicamente incorreto” ao reconhecer a importância das instituições especiais. Em vez de fechar escolas especiais como determinou o MEC, o estado aumentou sua rede – em 2008, inaugurou a Escola Estadual de Educação Especial Lucy Requião, em Curitiba.

Esse posicionamento do Paraná será levado ao governo federal neste mês, na Conferência Nacional de Educação. “Não somos contra a política do MEC, mas fazemos uma inclusão responsável. Daqui a um tempo podemos vir a ter a inclusão total”, contemporizou a coordenadora pedagógica de educação especial e inclusão educacional, Nanci Furtado de Menezes. Para a chefe do Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional da Seed, Angelina Matiskei, não atender às especifidades das crianças é que seria uma forma de discriminação e preconceito.
Um dos opositores ao modelo pregado pelo MEC, o senador Flávio Arns (PSDB) elogia o posicionamento do Paraná. “Colocar todas as crianças no ensino regular, independentemente da dificuldade, não é possível”, opinou. Arns lembrou que o papel das escolas especiais é reconhecido em todo o mundo, e aqui não poderia ser diferente. “Meu filho, que tem deficiência mental, sempre estudou em escola especial. Hoje, com 35 anos, ele trabalha, mas com supervisão”, contou.

Para Evelise Portilho, professora do curso de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e especialista em Psicopedagogia e Educação Especial, “as escolas regulares, públicas ou particulares, têm dificuldades até para lidar com as diferenças do dia a dia entre os alunos”. A inclusão a fórceps sem a preparação institucional, segundo ela, faz com que o aluno com necessidade especial acabe mais excluído do que antes. “No curto prazo não vejo a possibilidade de acabar com as Apaes”, afirma.

O educador português José Pa­­checo, autor do livro Caminhos para a Inclusão e mentor da Escola Ponte – em funcionamento há 33 anos em Portugal e conhecida por ter rompido com o ensino tradicional ao não dividir os alunos em séries e turmas –, é categórico. “Colocar crianças e jovens com deficiências especiais em escolas que não estão preparadas é um faz de conta da inclusão. É criminoso”, opina. De acordo com ele, o resultado é uma sensação de inferioridade para esses alunos e um sentimento de frustração para os professores, que não se sentem capazes de ensinar.

Para José Raimundo Facion, psicólogo e professor doutor do Grupo Educacional Uninter, autor do livro Inclusão Escolar, uma via de mão dupla, a política adotada pelo Paraná é sensata. “Todo mundo concorda que a discriminação não pode existir, mas, para pessoas com deficiências mais complexas e invasivas, o fato de estar na educação formal não é prioridade na vida delas. Elas têm outras necessidades”, opina.

Serviço:

No Paraná, a decisão sobre a que tipo de escola deve ser encaminhado o aluno com necessidade especial é tomada em conjunto pelos pais, especialistas e pelo próprio estudante. O Centro Estadual de Avaliação e Orientação Pedagógica fica na Rua do Rosário, 144.
Escola regular não está pronta, diz família
Rafaela de Azevedo Falcão, 25 anos, bem que tentou. Mas, há três anos, resolveu desistir. Rafaela é mãe da estudante com necessidades especiais Isabela, 9 anos, que tem atraso neuro e psicomotor. Até os 6 anos, Isabela passou por escolas regulares públicas e particulares, mas não se adaptou a nenhuma delas. “Não teve jeito. As escolas regulares não estão preparadas”, avalia a mãe. Foi, então, que a família decidiu tentar a Associação dos Pais e Amigos dos Excep­­cionais (Apae). “Melhorou 100 mil %”, comemora a mãe.

Por experiência própria, Rafaela sabe bem o valor das Apaes e defende a instituição com unhas e dentes. “Se fechar eu não sei o que fazer. Antes, era difícil para a Isabela conviver com os colegas da escola regular e os professores não sa­­biam o que fazer quando ela ficava nervosa. Na Apae, são eles que me ensinam o que fazer”, conta. Ela evoluiu muito mais nestes últimos anos”, afirma. Por esses motivos Rafaela é contra a bandeira da inclusão total. “Sou contra a inclusão de todos. Cada criança é uma situação”, diz.

Themys Cabral

Convivência: Colégio para cegos é fechado
Mesmo com a política de manter as escolas especiais, o governo do Paraná resolveu fechar a Escola de Educação Especial Osny Macedo Saldanha, mantida pelo Instituto Paranaense de Cegos (IPC). A en­­­­ti­­dade atendia a 21 alunos. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação (Seed), a medida não é um contrassenso em relação à manutenção de outras escolas especiais. Segundo Angelina Matiskei, chefe do Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional da secretaria, cerca de 3 mil alunos cegos já frequentam escola comum hoje no Paraná. “O que essas crianças têm de diferente que não podem conviver com as outras?”, questionou.

De acordo com a Seed, todas as crianças que têm condição de frequentar escola regular foram transferidas e, no contraturno, fazem aulas também em escolas especiais. Apenas cinco alunos que, além da cegueira, também têm deficiência mental foram transferidos para outras escolas especiais.

E se a estrutura fosse boa?
Especialistas defendem que a inclusão de todas as crianças com necessidade especial não é possível porque as escolas regulares não estão preparadas. E se elas estivessem?

Seria possível

Mesmo com experiências desastrosas em outros estados brasileiros, o especialista José Raimundo Facion defende que a inclusão total é possível. “Para isso seria necessário que a escola tivesse uma estrutura não só na área da educação formal, mas também da saúde. Teria de ter médico, fonoaudiólogo, fisioterapeuta”, diz.

É impossível

Já a professora do curso de Educação da PUCPR Evelise Portilho tem ressalvas. “Mesmo com todas as condições, acho que sempre vai necessitar de um trabalho além do realizado pela escola regular, com aulas de contraturno, estimulação específica para aquele aluno”, opina.

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